Grupos neonazistas cresceram 270% no Brasil em 3 anos, tendo amplo eco no populismo de Bolsonaro e nas correntes de ódio que se propagam nas redes sociais.
A onda bolsonarista e a falta de conhecimento político tem amplificado o crescimento de grupos extremistas, o aumento de crimes de apologia ao nazismo e a intensa disseminação de conteúdos com teor neonazista na internet, algo que foi identificado em pesquisas publicadas nos últimos meses.
Neste artigo irei analisar estes dados e também comentar sobre a falsa noção de que a liberdade de expressão deve ser defendida para discursos totalitários e intolerantes.
O que é Neonazismo?
O neonazismo é o resgate do nazismo na atualidade, mas com uma face repaginada, a fim de ter mais sintonia com a época atual. Continuam as ideias nazistas, como a do racismo, do nacionalismo, do antissemitismo e do anticomunismo.
Para os neonazistas, assim como no nazismo alemão, há apenas uma raça soberana: a “raça pura ariana”. Os principais alvos de discriminação são: comunistas, judeus, indígenas, negros e homossexuais. Da mesma maneira que vários tipos de preconceito se disseminam, como a xenofobia, ele tem causas em questões pelas quais certo país está passando, como desemprego, poucas oportunidades de trabalho, crescente criminalidade, entre vários outros contextos nacionais. Para eles, uma forma de combater esses problemas é depositar a culpa desses problemas na presença e cultura do outro no país, como imigrantes, refugiados, estrangeiros.
O grande diferencial do neonazismo é o uso de outra abordagem para a disseminação de suas ideias. Por exemplo, quando defendem suas ideias ao clamar por uma “salvação nacional”, considerando-se “libertadores” que valorizam a pátria e dela se orgulham. Esses são exemplos da utilização de palavras brandas, os famosos eufemismos, para maquiar a origem de seus ideais e ter a possibilidade de atrair mais pessoas, principalmente aquelas que já se identificam com ideais da extrema-direita. O discurso de “nós” contra “eles” é o mesmo, só está repaginado.
No Brasil
O Neonazismo no Brasil teve início na década de 1980, a partir de alguns grupos de skinhead (“cabeças raspadas”). Sua origem foi influenciada pela estagnação econômica no fim da ditadura militar no país e incerteza política na época da redemocratização.
Este contexto facilitou a assimilação por grupos de jovens brasileiros das ideias do movimento neonazista internacional, enquadrando-se também em uma tendência global de expansão do movimento, até então relativamente restrito ao seu berço, o Reino Unido, fortalecido pelo sucesso político da ultraconservadora e racista Frente Nacional britânica.
De acordo com a pesquisadora Adriana Dias, o neonazismo vai começar a se desenvolver de fato depois dos anos 2000 com grupos revisionistas do Holocausto, principalmente, no Sul e preferencialmente em Santa Catarina. Ele vai se expandindo cerca de 8% ao ano até 2009, quando ocorre uma briga entre dois grandes grupos e a liderança de um desses é assassinada e, por isso, acabam diminuindo. E a cena “nazi” volta a aparecer em público de novo só em 2011, quando os neonazistas de São Paulo chamam um ato pró-Bolsonaro. Mas eles vêm para a superfície de fato quando o Bolsonaro começa a aparecer na TV e tem a fala inflamatória dele – que é uma pessoa que tem capacidade de fazer movimentos de ódio se manifestarem na sociedade – e isso faz com que os grupos venham crescendo e agora é de uma forma absurda. Hoje são 530 células que estão ligadas a várias vertentes diferentes que não necessariamente conversam entre si.
Entre os grupos extremistas, neonazistas são a maioria. Adriana explica que eles têm semelhanças entre si: "Eles começam sempre com o masculinismo, ou seja, eles têm um ódio ao feminino e por isso uma masculinidade tóxica. Eles têm antissemitismo, eles têm ódio a negro, eles têm ódio a LGBTQIAP+, ódio a nordestinos, ódio a imigrantes, negação do holocausto", enumera.
Algo que também tem deixado muitas pessoas em alerta é o aumento de crimes ligados ao neonazismo. Um levantamento feito pelo jornal O Globo publicado em maio do ano passado mostrou que as denúncias apuradas pela Polícia Federal para crimes de apologia ao nazismo também explodiram. Até pouco tempo atrás, eram raros os inquéritos, entre 4 e 20 a cada ano.
A virada se deu em 2019, quando foram abertas 69 investigações de apologia do nazismo. A situação piorou em 2020, quando os policiais federais investigaram 110 casos — um novo inquérito a cada três dias, em média.
Levando em conta as 36 ocorrências investigadas pela PF nos cinco primeiros meses de 2021, é possível esperar que o ano passado tenha mantido a tendência de alta dos dois anteriores.
Governo Bolsonaro e o neonazismo
Na visão de Odilon Caldeira Neto, professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a associação entre o nazismo e a figura do presidente pode ser estabelecida, mas é complexa.
O pesquisador, que é um dos coordenadores do Observatório da Extrema Direita no Brasil, aponta que é preciso entender o que diferencia o "bolsonarismo" do próprio Bolsonaro.
"É bom sempre separar o governo Bolsonaro, essa instância mais institucional de representação, um governo como tal, do que é o bolsonarismo (...). O bolsonarismo é um fenômeno que transcende ao governo em si. Ele não é tutelado pelo governo", diz.
Caldeira Neto afirma, contudo, que o governo federal, em diversas oportunidades, sinalizou aos apoiadores mais radicalizados, ligados inclusive ao pensamento neonazista: "A presença de símbolos fascistas ou nazistas não é apenas fruto exclusivamente da associação de indivíduos e militantes neonazistas ao bolsonarismo. Muitas vezes, esse é um esforço do próprio governo".
"A utilização de slogans, de figuras de linguagem, de simbologias nazistas ou fascistas, é também parte do esforço de se compreender como parte de uma história de uma trajetória da extrema direita brasileira e internacional", defende.
"É uma via de mão dupla: de um lado, são os movimentos e lideranças do neonazismo tentando imprimir a sua faceta no bolsonarismo e no governo Bolsonaro; de outro lado, é o governo buscando radicalizar as suas bases por meio da chave, dos lemas e das imagens do imaginário fascista e nazista na atualidade", explica Caldeira Neto.
Liberdade de expressão e discursos totalitários
Tivemos nesta segunda-feira (7) um episódio na internet que trouxe à tona a antiga desculpa de que a liberdade de expressão deve ser usada para dar fala inclusive por aqueles para aqueles que tem discursos fascistas. Em uma live no Youtube, Monark, apresentador do Flow Podcast, defendeu a existência de um partido nazista no Brasil que fosse reconhecido legalmente. Após a repercussão negativa da fala, o podcaster perdeu patrocínios, pediu desculpa e disse que estava bêbado.
O comentário de Bruno Aiub, conhecido como Monark, foi feito na edição desta segunda-feira do podcast, da qual participavam Kim Kataguiri (Podemos) e Tabata Amaral (PSB).
Criado por Monark e por Igor Coelho (Igor 3K), o Flow é um dos podcasts com maior audiência do Brasil e tem 3,6 milhões de inscritos só no YouTube. O podcast já perdeu patrocinadores, e em 2021 Monark foi muito criticado após ter questionado no Twitter se "ter opinião racista é crime".
Nesta segunda, Monark disse: "A esquerda radical tem muito mais espaço do que a direita radical, na minha opinião. As duas tinham que ter espaço. Eu sou mais louco que todos vocês. Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista, reconhecido pela lei".
Tabata rebateu o comentário e falou que a "liberdade de expressão termina onde a sua expressão coloca em risco a vida do outro". "O nazismo é contra a população judaica e isso coloca uma população inteira em risco", afirmou a parlamentar.
Este tipo de atitude é resultado de uma falta de conhecimento político e histórico que vem há anos sendo aproveitada pelos grupos neonazistas e neofascistas para se articularem e ganharem cada vez mais seguidores, principalmente em redes sociais. O analfabetismo político de grande parte da população vai aos poucos deixando claro que "aqueles que gritam mais alto serão ouvidos", mesmo que a mensagem seja de ódio e intolerância.
Pesquisadores alertam que quando um grupo de pessoas se organizam em torno da ideia de que é melhor de que os outros por causa da cor da pele, da religião, da região que nasceu, ou pela identidade de gênero ou orientação sexual, o resultado é violência e morte. Isso não deve ser aceito, de forma alguma. Não se deve ser tolerante com os intolerantes.
Fontes:
Entrevista – Adriana Dias: Bolsonaro e o neonazismo. Uma relação comprovada: https://fpabramo.org.br/focusbrasil/2021/08/15/entrevista-adriana-dias-bolsonaro-e-o-neonazismo-uma-relacao-comprovada/
Reportagem do Fantástico - Grupos neonazistas crescem 270% no Brasil em 3 anos; estudiosos temem que presença online transborde para ataques violentos: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2022/01/16/grupos-neonazistas-crescem-270percent-no-brasil-em-3-anos-estudiosos-temem-que-presenca-online-transborde-para-ataques-violentos.ghtml
Artigo do Politize! - Neonazismo: o rosto do nazismo na atualidade: https://www.politize.com.br/neonazismo-o-rosto-do-nazismo-na-atualidade/
Matéria do Brasil de Fato - Há uma onda neonazista no Brasil? Entenda o que dizem os números e especialistas no tema: https://www.brasildefato.com.br/2022/01/27/ha-uma-onda-neonazista-no-brasil-entenda-o-que-dizem-os-numeros-e-especialistas-no-tema
Artigo da Wikipédia - Neonazismo no Brasil: https://pt.wikipedia.org/wiki/Neonazismo_no_Brasil
Episódio 149 do Podcast Historiante - O crescimento do neonazismo no Brasil: https://open.spotify.com/episode/397UsRkw3eaXKpka4ij6BS?si=BQzvA7GDTMypQI71ooWPnQ&utm_source=whatsapp&nd=1
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