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Jogos de Azar Online: o que um tigre, um avião e o futebol tem em comum?

Uma febre entre os jovens que já está chegando até os mais velhos, os famosos ‘jogo do tigrinho’, ‘aviãozinho’ e BETs rapidamente adentraram nos celulares brasileiros. Milhares de pessoas já foram impactadas por propagandas em redes sociais, até mesmo considerando essas atividades como uma segunda fonte de renda sem precisar sair de casa.

As casas de apostas online oferecem uma variedade de jogos e lances para - aparentemente - arrematar o dobro de dinheiro com apenas alguns cliques. Elas permitem que os usuários façam apostas em eventos esportivos, como futebol, basquete, corridas de cavalos e e-Sports, assim como em eventos não esportivos, como eleições políticas e shows de talentos. Já os cassinos online oferecem uma ampla gama de jogos, como caça-níqueis (slots), roleta, blackjack e poker, tendo até opções onde dealers reais operam o jogo em tempo real via streaming.


Para se ter uma ideia, apenas em 2023, cerca de 22 milhões de pessoas fizeram pelo menos uma aposta esportiva, de acordo com a 7ª edição da pesquisa Raio X do Investidor Brasileiro, da Anbima. Motivados pela chance de ganhar dinheiro rápido em momentos de necessidade (40%) e pela possibilidade de ter um retorno alto (39%), a pesquisa também aponta que as apostas em cassinos e BETs foram sete vezes maiores no Brasil do que os investimentos na Bolsa de Valores.


“Welcome to the Jungle” 


O "Jogo do Tigrinho", também conhecido como Fortune Tiger, é um jogo de azar online que funciona de maneira similar a uma máquina caça-níqueis. Desenvolvido pela empresa PG Soft, o jogo apresenta uma interface vibrante e colorida, com um tema centrado em um tigre da sorte - ou outros animais, como búfalo, coelho, dragão, elefante, porco, entre outros. Os gráficos são atraentes e projetados para manter os jogadores engajados no formato slot, onde, com 3 rolos e 3 linhas, os jogadores apostam dinheiro real na esperança de ganhar prêmios em dobro ao combinar os símbolos em uma linha ou em padrões específicos.


Esses jogos exigem dinheiro real para participar, prometendo ganhos substanciais em um curto período de tempo. O estilo do ‘Fortune Tiger’ se tornou extremamente popular no Brasil a partir de 2023 e, apesar de cassinos serem ilegais no país, ​diversos donos de cassinos online têm investido cada vez mais em divulgar suas plataformas por meio de publicidade com influenciadores digitais renomados, que, nos últimos anos tiveram um papel fundamental na transformação do comportamento de consumo de produtos e serviços online.


Os influenciadores são remunerados por seu engajamento e alcance ao gravarem conteúdos que gerem confiança e credibilidade aos seus seguidores, assim como pelos cliques de cada usuário nos links de sites de jogos de azar online divulgados por eles.


Dessa forma, eles conseguem atrair novos usuários ao promoverem a jogabilidade fácil, tutoriais sobre como apostar, além de demonstrações de grandes vitórias e ganhos com as plataformas. Estes frequentemente fazem postagens patrocinadas que destacam os supostos benefícios e ganhos com o jogo, onde suas próprias experiências e aparentes sucessos lhes renderam prêmios em dinheiro ou bens materiais, como carros e jóias de luxo, tudo em curto espaço de tempo.


As autoridades brasileiras já iniciaram diversas investigações contra vários influenciadores que promoviam o "Jogo do Tigrinho", revelando esquemas fraudulentos e acusações de pirâmide financeira. As autoridades também investigam alegações de lavagem de dinheiro associadas ao jogo, onde as prisões de influenciadores trouxeram à tona a magnitude do problema e os riscos associados a esses jogos de azar online. O programa "Fantástico" já exibiu uma reportagem detalhada sobre o envolvimento de influenciadores em esquemas de apostas online, destacando o caso e as suas consequências legais​ sob a justiça brasileira.


Voar, voar, subir, su… ‘Crash’


No caso do Aviator, ou ‘jogo do aviãozinho’, o jogo começa com os apostadores dando lances antes do avião decolar. Assim que a nova rodada é  iniciada, à medida que o avião sobe, o multiplicador aumenta e os jogadores precisam decidir antecipadamente o momento ideal para retirar a aposta, clicando no botão de ‘cash out’ (sacar), antes que o avião desapareça.



Uma vez que o jogo é controlado por um gerador de números aleatórios, a principal estratégia se centra em retirar a aposta para maximizar os ganhos, evitando a perda total caso o avião voe para longe, o chamado ‘crash’ (ou colapso, em português). A imprevisibilidade adiciona uma camada de emoção e risco ao jogo, tornando cada decisão crítica para o resultado final.


Além disso, a simplicidade das regras e a rapidez das rodadas tornam o Aviator acessível a todos os tipos de jogadores, desde os novatos até os mais experientes. Diferentemente do ‘Jogo do Tigrinho’, os gráficos minimalistas e a interface simplória do Aviator contribuem para uma experiência de jogo direta. A possibilidade de assistir a outras apostas em tempo real também adiciona um aspecto social, permitindo aos jogadores aprenderem com as estratégias uns dos outros e discutirem suas próprias táticas.


Quanto vale a ‘jogadinha do Paquetá’?


É como o clássico chá da tarde inglês: domingo à tarde, logo após o almoço, boa parte das famílias brasileiras costuma ter a famigerada programação de assistir a uma partida de futebol na TV aberta. Paixão nacional, nada representa mais o Brasil do que o futebol; é cultura, tradição e uma fonte de alegria e comoção para milhares de torcedores.


Com isso, as famosas "Bets", chamadas de apostas esportivas, são a modalidade de jogo em que os participantes podem apostar dinheiro na previsão de resultados de eventos esportivos, como o próprio futebol. Para quem conhecia o ‘bolão’ da firma para um determinado campeonato, hoje, pela internet é possível realizar apostas em qualquer tipo de esporte em plataformas de apostas online, tudo de maneira “fácil e acessível”.


Sim, apostas esportivas são legalizadas no Brasil desde dezembro de 2018. A legalização veio por meio da Lei 13.756/2018, sancionada pelo então presidente Michel Temer, que regulamenta as apostas esportivas de quota fixa, permitindo que empresas operem legalmente no mercado brasileiro – desde que obtenham licença e cumpram diversas exigências, incluindo medidas de prevenção contra lavagem de dinheiro e jogo responsável. No entanto, a implementação completa e a regulamentação específica das apostas esportivas ainda está em processo, com o Ministério da Fazenda responsável pela criação de um arcabouço regulatório detalhado para assegurar que as operações sejam conduzidas de maneira justa, transparente e segura.


Um caso recente que ilustra os riscos e as complicações das apostas esportivas é o do jogador de futebol brasileiro, Lucas Paquetá. Em agosto de 2023, o meia atacante, que atualmente joga pelo West Ham United na Premier League e pela seleção brasileira, começou a ser investigado por suposto envolvimento em um esquema de apostas, com possíveis irregularidades cometidas propositalmente pelo jogador em jogos específicos, como faltas para cartões amarelos/vermelhos e escanteios, influenciando direta ou indiretamente os resultados.


Ainda, há informações de que um grupo de pessoas na Ilha de Paquetá, situada na baía de Guanabara no Rio de Janeiro (RJ), estava diretamente envolvido em atividades de apostas ilegais associadas ao nome do jogador - que leva o apelido ‘Paquetá’ por ser nascido e criado na ilha. A suspeita ainda era de que apostadores na Ilha tinham acesso a informações privilegiadas sobre o desempenho e as condições de Paquetá.


A investigação da Polícia Federal e do Ministério Público analisou transações financeiras, comunicações entre os envolvidos e possíveis conexões com redes ilegais. Paquetá e seus representantes negaram qualquer envolvimento, alegando que o jogador não tinha controle sobre as apostas feitas por terceiros e cooperou plenamente com as autoridades para esclarecer sua posição. Agora, a decisão está sob avaliação da Federação Inglesa, que pode culminar até mesmo na expulsão do jogador do futebol inglês e da FIFA.


E o que diz a lei brasileira?


Historicamente, a exploração de jogos de azar era proibida pela  Lei de Contravenções Penais (nº 3.688/1941), que permanece como a principal legislação sobre o tema. No entanto, essa lei não sofreu grandes atualizações para acompanhar as mudanças no mercado e nas tecnologias atuais.


Em 2024, o Congresso Brasileiro avançou com a aprovação de um PL que visa a legalização e regulamentação dos jogos de azar, incluindo cassinos, bingos, jogo do bicho e jogos online. A nova regulamentação inclui diretrizes para operações legais, proteção ao apostador e medidas preventivas contra problemas associados aos jogos de azar, como o vício.


A lei também estipula regras para as loterias estaduais, restringindo a operação a dentro das suas respectivas jurisdições, e as empresas que desejam operar nesse mercado deverão se preparar para um aumento nos custos devido às novas exigências regulatórias e tributárias​.


O vício...


Como tudo na vida tem suas consequências, com os jogos de azar não seria diferente. Dentre os principais vícios entre a população brasileira, o de jogos de azar é um dos mais perigosos e agravantes. Agora, em suas versões online, a facilidade de acesso, a disponibilidade 24 horas e a variedade de jogos podem levar os jogadores a desenvolverem um comportamento compulsivo, com efeitos devastadores, como problemas financeiros graves, deterioração das relações pessoais, perda de emprego e até mesmo problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão.


É fácil perder o controle ao fazer apostas repetidas, especialmente quando se está tentando recuperar perdas anteriores. Enquanto isso, o investimento exacerbado em marketing e publicidade para atrair jogadores a plataformas que destacam ganhos potenciais e a emoção do jogo, minimiza ou omite os verdadeiros riscos, como fraude e até roubo de identidade.


E o capitalismo se inova... outra vez!


Além disso, esses jogos também abrem a reflexão para a nova era predatória do acúmulo de riqueza e da potencialização da desigualdade social por meio da internet. Esses jogos são um espelho das falhas do capitalismo contemporâneo, que destaca como as regras do jogo econômico mundial foram criadas e ajustadas para beneficiar uma minoria, ao mesmo tempo em que perpetuam a exploração e marginalização da maioria.


Na economia digital atual, a tendência é que a concentração de riqueza crie novas modalidades de se perpetuar, criando um cenário ilusório para a grande massa, que segue limitada em avanços por ter de se enquadrar no jogo.


Vivemos em uma era marcada pelo bombardeio incessante de informações online, onde a proliferação das redes sociais, milhares de notícias em tempo real e a onipresença de dispositivos conectados, em paralelo à crescente dependência das tecnologias digitais, está criando uma nova classe trabalhadora com sobrecarga informacional, ou "infodemia", que tem demonstrado consequências profundas para nossa capacidade de processar e entender o mundo ao nosso redor.


Para se aprofundar na discussão, ouça o episódio do podcast ‘Historiante’, com participação da autora deste artigo.




Texto escrito por Jeane Queiroz

É jornalista e pós-graduanda em Assessoria de Imprensa e Gestão da Comunicação. Orgulhosa "fã de carteirinha" de K-pop, fundou o coletivo Liga Comunarmy, que une fãs do grupo sul-coreano BTS focados em disseminar a perspectiva da luta de classes

através do incentivo e análises das músicas da banda.





Revisão por Eliane Gomes

Edição por Felipe Bonsanto

 

REFERÊNCIAS:



















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