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Foto do escritorJohao Larios

Black Mirror: Reflexos e Reflexões

Atualizado: 1 de set. de 2022

Você já pensou em como serão as democracias no futuro? Como será o ciberterrorismo? Se viveremos em contato com a natureza ou colados às telas? Como será nosso cotidiano, como serão as prisões, o jornalismo, as novas profissões? Todas essas questões são abordadas na série de TV Black Mirror, um sucesso de crítica que tem despertado muitas reflexões nos últimos anos.

Por onde posso começar?


Já sei. Como meu irmão me dizia: “Cara você gosta de coisas esquisitas”. Agora que já falei isto, vou tratar de explicar como que cheguei a conhecer o seriado que considero um dos melhores que já produzidos.


Eu sou um fã muito apaixonado do grupo de rap antissistema chamado “Los chikos del maíz”. Mesmo anunciando que vão se separar em um futuro próximo, gravaram um último disco chamado “trap mirror” onde há uma introdução criticando a sociedade atual.

"É assim que nos falamos e nos expressamos: comprando merda. Nosso maior sonho é comprar um belo boné para nosso amado avatar. Um boné que não existe, nem existe, a gente compra uma merda que não existe. Mostre-nos algo que é real e livre, você não poderia, poderia? Isso nos mataria, estamos letárgicos. Nossa mente se afogaria."

Depois de escutar esse disco como pela quarta vez, pesquisei na internet informação sobre ele. E foi assim que descobri que havia uma relação entre a letra e o seriado britânico chamado The Black Mirror. Ainda que hoje o seriado seja propriedade da Netflix, ele começou como um projeto britânico, lembro que assisti a primeira temporada há muitos anos atrás, bem antes da Netflix comprar os direitos de exibição.


De acordo com o criador Charlie Brooker, na série "cada episódio tem um tom diferente, um cenário diferente, até uma realidade diferente, mas mostrando a maneira como vivemos agora - e a maneira como poderíamos estar vivendo em 10 minutos, caso sejamos desatentos com a tecnologia".


Como qualquer série, alguns episódios você adivinha para onde vai o enredo final antes de terminar, ou em outros, a reviravolta que ocorre é simplesmente ótima. O interessante é a forma como a série te mantém alerta, em cada um dos seus episódios. É excelente.


O que significa Black Mirror?


Nas palavras de Brooker: "Se a tecnologia é uma droga – e parece uma droga – então quais são, precisamente, os efeitos colaterais? Essa área – entre prazer e desconforto – é onde Black Mirror, minha nova série dramática, se passa. O "espelho preto" do título é aquele que você encontrará em cada parede, em cada mesa, na palma de cada mão: a tela fria e brilhante de uma TV, um monitor, um smartphone."


Para refletir um pouco sobre isso, pensemos no terror, na angústia, no sentimento de solidão, no impacto da realidade fora do mundo conectado que ocorre quando uma tela está “desligada”, ou seja, sem emitir nenhuma luz. É então, naquele momento, que nós ficamos diante daquele espelho preto. O mesmo espelho preto que nos faz ver o que resta de homo sapiens que está colado na tela do aparelho que você está usando naquele momento. Reflexo que muitas vezes nos faz sentir mal. No final, acontece com todos nós.


Você já sentiu desespero quando seu telefone foi desligado em uma conversa "importante" com aquela pessoa que você estima muito? Você já sentiu o desespero para conseguir um carregador, continuando com o que quer que esteja fazendo? Já viu aquela frustração que vem do que parece ser suas entranhas refletida naquele espelho preto cruel. No meio de uma importante maratona de séries, acabou a energia da sua casa e a única coisa projetada na tela da TV é a imagem de um humano, deitado, sozinho.


Você já sentiu arrepios ao ver uma mensagem de texto? Você já agiu como desinteressado ao ler uma? Você já passou segundos, até minutos, olhando para aquele espelho preto na palma da sua mão? - O que eu faço? O que eu respondo?


Mas nós não vamos responder. Vamos bloquear. Vamos bloquear aquela pessoa, aquele grupo de Whatsapp. Vamos sair da realidade. A série nos introduz o conceito de realidade virtual, aquilo que eu não quero que "exista" na minha realidade tangível. Aqui a filosofia existencialista relaciona-se com a existência cibernética de um outro eu, separado do eu físico.


Milhares de casos vêm à mente. Talvez o leitor já esteja dimensionando os casos em que isso lhe acontece.


Minha família, meus entes queridos. Meus colegas de trabalho, meus amigos da faculdade. Meus mais de 1000 "amigos" das redes sociais estão a uma tela de distância, a um clique de distância. Eles estão próximos o suficiente para procurar seu número de telefone (procurar, porque não os conhecemos mais de cor) ou uma mensagem por meio de outra rede social.


Uma distância que diminui quando a tela está ligada, e que aumenta no tempo e no espaço, quando a porra do "Black Mirror" está na minha frente. A distância se torna eterna, e a solidão bate forte e sólida. Ou talvez, pelo contrário, traz paz. A paz que resta depois de gastar neurônios na frente de telas o dia todo. A paz de estar offline. Porque estar ciente das notificações que esperamos chegar é cansativo. Cansado desses impulsos de pensar em esperar, mesmo que eles cheguem.



Maldito espelho preto. Maldito espelho da sociedade atual. São 3 da manhã, possivelmente agora quando eu desligar o laptop, eu vou olhar para minhas olheiras na frente do espelho, que reflete meu rosto naquele momento. Pensarei na contradição de escrever este artigo, criticando a sociedade tecnológica moderna que de alguma forma ajudo a construir com minha profissão de desenvolvedor de software. Contradição com a qual terei que conviver.


Vou virar meu celular de cabeça para baixo para não me distrair, vendo assim outro espelho preto. Vou ligar a tela. Vou verificar com alguma esperança que hajam mensagens do Whatsapp para "poder responder" uma a uma, ansiosamente, retirando-as da minha bandeja de notificações. Vou desligar o telefone. Vou ver a tela preta novamente.


Depois, vou ligar a TV para encontrar algo chato para me colocar para dormir, quem sabe para acabar essa maldita insônia. Provavelmente não encontrarei nada. Vou desligar a tela da TV. Será a terceira vez que a tela preta passa pelos meus olhos em menos de meia hora. Vou pensar novamente nas contradições. Vou pensar sobre o que fazer depois que eu me levantar para mudar isso. Embora eu saiba, no fundo, a primeira coisa que vou fazer ao acordar é ver a tela preta do meu celular.


Texto escrito por Johao Larios Fidalgo

Desenvolvedor de software que gosta de pesquisar sobre o impacto da informática no mundo real, escrevendo diretamente de San José, Costa Rica.

 

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