A menos de dois anos da publicação do artigo “Imigrantes LGBTQIAP+, uma dupla discriminação”, o assunto tornou-se pauta nos meios de comunicação tanto nos Estados Unidos quanto na Argentina, pois ambos os presidentes começaram a mudar suas atitudes em relação às minorias. Embora se saiba que os diversos instrumentos de direitos humanos aprovados pelos Estados não são suficientes para a população LGBTQIAP+ e que a mesma enfrenta uma grave discriminação aprofundada por variáveis associadas à questão migratória, somado ao rápido aumento da presença de imigrantes nos diferentes países, o interesse sobre o aspecto da heterogeneidade se incrementou (BRAVO, 2023). Esse incremento pode ser visto refletido nos assuntos de políticas tanto internas como externas.

No caso do presidente argentino, Javier Milei, que assumiu a presidência em 10 de dezembro de 2023, expressou o seguinte:
“...uma polêmica comparação entre o Estado e um pedófilo: “Aqui a questão é a seguinte. Reconheça quem é nosso verdadeiro inimigo. Nosso verdadeiro inimigo é o Estado. O Estado é o pedófilo no jardim de infância, com as crianças acorrentadas e banhadas em vaselina.” (PERFIL, 2023).
O que ele exteriorizou dois anos atrás não foi um ato isolado. Milei foi além no discurso que fez em janeiro, quando viajou para a cidade suíça de Davos para participar da reunião anual do Fórum Econômico Mundial. Em Davos, ele declarou o seguinte:
“Há algumas semanas, o caso de dois americanos homossexuais ganhou as manchetes em todo o mundo que, levantando a bandeira da diversidade sexual, foram condenados a cem anos de prisão por abusarem e filmarem seus filhos adotivos há mais de dois anos. Quero deixar claro que, quando digo abuso, não é um eufemismo, porque nas suas versões mais extremas, a ideologia de gênero constitui simplesmente abuso infantil. Eles são pedófilos. Portanto, quero saber quem endossa esses comportamentos.” (MILEI, 2025)

Essas palavras no discurso não passaram despercebidas; foram criticadas, e os Grupos LGBTQIAP+ e feministas conseguiram apoio de organizações sociais, políticas e sindicais para a realização da Marcha do Orgulho Antifascista e Antirracista, que reuniu milhares de pessoas contra Milei em diferentes cidades da Argentina e em outros lugares do mundo, como, por exemplo, em Berlim, Roma, Paris, Barcelona, Madrid, Londres, Lisboa e Amsterdã. Houve também concentrações em Santiago do Chile, Rio de Janeiro, São Paulo, Florianópolis, Montevidéu, Nova York e Cidade do México.
A esse respeito, é relevante mencionar que, já em fevereiro de 2024, foi solicitado o impeachment do presidente, argumentando “conduta repreensível e inaceitável exibida em plataformas digitais, com atos de discriminação e outros recursos questionáveis contra determinados grupos sociais” (RADIO UNR, 2024). Mesmo com o pedido e os movimentos contrários ao pensamento de Javier Milei, ele leva à ação o que afirmou em mais de uma oportunidade.
Recentemente, ele manifestou que “este governo defende a igualdade perante a Lei consagrada na nossa Constituição Nacional. Nenhuma vida vale mais que outra” e que pretende reverter as leis que ampliaram os direitos das mulheres e das pessoas LGBTQIAP+ no país. Para isso, promoverá no Congresso uma reforma do Código Penal que elimine a figura do feminicídio, que agrava a pena no caso de homicídios de mulheres por razões de gênero. O anúncio surge após Milei ter definido o feminismo, a diversidade, o aborto e a ideologia de género, entre outros, como “cabeças de uma mesma criatura cujo propósito é justificar o avanço do Estado” sobre a liberdade dos indivíduos.
As posições de Milei contra o que ele chama de “ideologia de gênero” ganharam força com a posse de Donald Trump nos Estados Unidos. Horas depois de tomar posse, Trump assinou uma ordem executiva que põe fim aos programas de diversidade, equidade e inclusão no governo federal.
Trump restringiu os procedimentos de transição de gênero em menores e descreveu-os como mutilação, afirmando: “Esta tendência perigosa será uma mancha na história da nossa nação e deve acabar”. Em todo o país, os profissionais médicos mutilam e esterilizam um número crescente de crianças impressionáveis”, diz a ordem executiva. Como consequência de suas palavras, metade dos estados nos Estados Unidos proibiu o tratamento de menores que não se identificam com o seu gênero de nascimento.

Em relação ao assunto, pessoas influentes como a cantora Madonna, se expressaram nas redes sociais: “É muito triste ver nosso novo governo desmantelando lentamente todas as liberdades pelas quais lutamos e conquistamos ao longo dos anos” ... “Não desista da luta!”. Cabe destacar que Madonna tem sido uma forte apoiadora da comunidade, especialmente desde os anos 90. Há algum tempo, em um show em Barcelona, ela se envolveu em uma bandeira da comunidade e cantou “Não chore por mim, Argentina”.
As semelhanças nos pensamentos e ações de Trump e Milei chegam até a questão das fronteiras. Embora o muro fronteiriço entre os Estados Unidos e o México tenha começado a ser construído há mais de um quarto de século, foi na primeira presidência de Donald Trump (2017-2021) que ele ganhou maior impulso. Porém, não conseguiu construir um muro que percorresse toda a fronteira. As barreiras só foram levantadas nas zonas mais sensíveis. No que diz respeito à administração do governo argentino, foi confirmado que pretendem instalar uma cerca na passagem fronteiriça da cidade de Aguas Blancas, na província de Salta, no norte do país. A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, afirmou que a área “estava completamente descontrolada”. A cerca tentará delimitar a distância entre a rodoviária local e o escritório de imigração do Porto de Chalanas, onde as pessoas circulam sem passar por controles, afirmam as autoridades. A cerca será de arame com cerca de 200 metros, tentando impedir a passagem ilegal de pessoas e, segundo as autoridades, o tráfico de drogas. Em relação às ações, o Governo da Bolívia expressou a sua preocupação com a medida e observou que “as questões fronteiriças devem ser abordadas através de mecanismos de diálogo bilateral”.
Tanto o presidente dos Estados Unidos como o da Argentina, compartilham ideias e pensamentos em relação ao aborto, direitos LGBTQIAP+, ideologia de gênero, liberdade dos indivíduos, diversidade, equidade, inclusão, migrações, questão das fronteiras e assuntos de políticas internas e externas. Ambos expressam que é momento de “acordar” (woke) e de “considerar que as políticas implementadas representam não só uma ameaça aos valores familiares, mas até à própria democracia”. O termo “woke” ressurgiu na última década com o movimento “Black Lives Matter”, ou seja, contra a violência policial, “Me Too” contra o abuso sexual, e a favor dos direitos LGBTIQ+.
O Dicionário Oxford, em 2017, acrescentou este novo significado de “woke”, definindo-o como: “Estar atento às questões sociais e políticas, especialmente ao racismo”. O conceito surgiu dentro da comunidade negra nos Estados Unidos e originalmente pretendia alertar para a injustiça racial. Mas o termo é muito mais complexo e pode refletir com quais posições políticas se está mais alinhado. Enquanto para alguns estar “woke” é ter consciência tanto social como racial e poder questionar os paradigmas e as normas opressivas, para outros descreve aqueles que se consideram moralmente superiores e querem impor suas ideias progressistas sobre o resto. Os críticos da cultura questionam os métodos coercivos utilizados por alguns contra aqueles que dizem coisas ou cometem atos que consideram misóginos, homofóbicos ou racistas.
Seguindo as palavras de Milei em relação a “woke”:
“A grande epidemia do nosso tempo que deve ser curada é o câncer que deve ser removido.” “Hoje venho dizer-lhes que a nossa batalha não está vencida, que, embora a esperança tenha renascido, é nosso dever moral e nossa responsabilidade histórica desmantelar o edifício ideológico do wokismo doentio”. E acrescentou: “O wokismo é o resultado da inversão dos valores ocidentais, cada um dos pilares da nossa civilização foi alterado por uma versão distorcida de si mesmo, através da introdução de vários mecanismos da sua versão cultural”. Também descreveu o wokismo como “um regime único de pensamento” e sustentou que “feminismo, diversidade, inclusão, equidade, imigração, aborto, ambientalismo, ideologia de género, entre outros, são cabeças da mesma criatura cujo propósito é justificar o progresso” (MILEI, 2025).
O que começou como um choque cultural transformou-se num confronto em todos os aspectos, não só político. Mais uma vez, pode-se ver que estamos ante uma batalha, e o que foi dito há algum tempo, através da pergunta: “como podemos ajudar os migrantes LGBTQIAP+ a tornar visível sua existência, cooperar em sua integração na sociedade e garantir o acesso a direitos?”, cobra mais relevância que nunca.
Neste contexto, podemos ajudar as minorias, aos migrantes LGBTQIAP+ a tornar visível sua existência por meio de um papel ativo na sociedade, cooperando para que sua integração permaneça nas melhores condições possíveis, além das medidas que o governo de turno queira implementar. Não é uma tarefa fácil quando existem presidentes que afirmam que “é hora de sair desse roteiro e de ser ousado, escrevendo seus próprios versos”, parecendo esquecer que essa “ousadia” atenta contra a vida de milhares de pessoas. Políticas como estas têm um efeito prejudicial, especialmente na saúde mental. O apoio à saúde e ao bem-estar transcende a política, e as autoridades eleitas e os meios de comunicação que compreenderem os perigos que as políticas e a retórica anti-LGBTQIAP+ e anti-imigrantes representam devem se posicionar e ser a voz daqueles que não podem se expressar livremente.
Editorial do Portal Águia
Revisão por Eliane Gomes
Edição por João Guilherme
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