É de conhecimento de todos que a educação brasileira passou por um desmanche nos últimos anos. O relatório final da transição do Governo de Bolsonaro para o de Lula sinaliza que:
"De 2019 a 2022, o Ministério da Educação (MEC) e suas autarquias sofreram retrocessos institucionais, orçamentários e normativos, observando-se falta de planejamento; descontinuidade de políticas relevantes; desarticulação com os sistemas de ensino estaduais e municipais e da rede federal de ensino; incapacidade de execução orçamentária; e omissões perante os desafios educacionais"
O presidente Lula, em seu terceiro mandato na presidência do Brasil, herda um dos piores momentos da área Educação desde a redemocratização, uma vez que há grandes sequelas da pandemia da COVID-19, evasão escolar em crescimento, pesquisa científica sucateada, Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014-2024 com menos de 40% das metas alcançadas, uma crescente onda de violência nas escolas, entre diversos outros percalços.
Entre tantos desafios a serem enfrentados na presidência de Lula, há um sutil desafio a ser enfrentado que pouco se é falado, porém não menos importante: o conflito de gerações entre aluno e professor e o abismo que os separam.
Geração Z e as pílulas de aprendizagem
Nascidos no final dos anos de 1990 até 2010, essa geração que está entre aqueles que cursam o Ensino Médio e o Ensino Superior é a primeira que cresceu inserida na era das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e parte dela teve acesso imediato a essas tecnologias.
Com o acesso mais facilitado às ferramentas de comunicação e a tecnologia, esse público recebeu desde a infância informações de maneira instantânea. Eles viram ao vivo o atentado terrorista às Torres Gêmeas, no dia 11/09, e puderam acompanhar pela TV a eleição de um Papa, entre outros eventos importantes.
Toda a velocidade disponível a informações e conteúdos através de apenas um clique e de maneira facilitada tornou essa geração uma das mais imediatistas já vistas na história.
Essa geração tem disponível, ao alcance de um clique, dados, análises, aplicativos para desenvolvimento e diversos tipos diferentes de conteúdo que permitem com que ela acesse qualquer tipo de informação. Essa geração chega ao banco da sala de aula com a informação, aplicação e a opinião já praticamente formada.
Formato de educação atual
A maneira de educar foi e é o retrato da sociedade. Durante toda a história humana, a forma de educar tem sofrido mudanças. A educação já foi considerada privilégio para poucos, foi vetada e dominada pela igreja durante anos, mas hoje é considerada uma maneira de se obter desenvolvimento pessoal, ascensão social e qualificação profissional.
Além disso, é considerada como instrumento para desenvolvimento social e cultural.
O aumento do número de recursos tecnológicos, a possibilidade de estudar em diferentes formatos, tornando o modelo de estudo até mais flexível, tem trazido mais comodidade para o aluno da geração Z. No entanto, essa comodidade esbarra em um grande desafio que é o formato da educação atual.
O professor e o modelo de educação
O modelo de educação atual predominante é o mesmo modelo utilizado por nós, pelos nossos pais e avôs, ou seja, de 50, 60, 70 anos atrás. Nesse formato, todos nós sentamo-nos um dia em uma carteira escolar, recebemos do professor todo o conteúdo e após determinado período éramos avaliados.
Até aqui o professor era o detentor do conhecimento. Era ele quem trazia a informação para o aluno.
Em uma breve análise sobre as gerações Baby Boomer (1946-1964), geração X (1965-1985) e geração Y (1985-2000), é possível observar que houve uma evolução tecnológica e social, porém foi gradativa e não alterou diretamente o formato social.
Já a partir do surgimento da internet e das TICs , a evolução é quase que exponencial, tendo em vista que afeta não apenas a forma de se comunicar, mas o estilo de vida, o mercado de trabalho, o formato de consumo, entre vários outros aspectos sociais. Entretanto, o modelo de educação evoluiu pouco, que ainda é, praticamente, o mesmo utilizado pela geração Baby Boomer.
Neste modelo de educação, o conflito com a geração Z é frontal. Embora já seja possível ser inserido em pequenos modelos de mudança na educação, as leis, as normativas e a própria estrutura curricular em si ainda estão presas a um modelo formatado e que pouco abre espaço para grandes mudanças.
Preso a este formato, encontramos o professor oriundo e adaptado ao modelo no qual ele se formou e foi inserido no mercado de trabalho e agora se vê em uma sala de aula com jovens que cresceram em meio a tecnologias que muitas das vezes ele mesmo não possui conhecimento e, em diversos casos, nunca teve acesso.
Diante desse cenário, o docente recebe o aluno munido de diferentes equipamentos e informações, pronto para questionar e argumentar sobre determinado tema abordado.
A partir de então, o docente não é mais o detentor do conhecimento. Ele tem a posição de mentor e orientador do aluno.
O papel do professor agora vai além de apresentar e compartilhar o conhecimento, pois tem por objetivo direcionar e orientar o aluno diante do bombardeio de informações ao alcance de um clique. No entanto, como o docente pode conseguir isso, sendo que em muitas das vezes ele não foi preparado e capacitado para enfrentar essa nova realidade?
O atual Governo tem em mãos grandes desafios e um dos principais é o formato de educação. O PNE previu algumas mudanças e capacitações na direção apresentada neste artigo, mas pouco se fez. Houve um golpe de Estado, um Governo de extrema-direita e uma pandemia. Sendo assim, a educação mais uma vez ficou para trás e pouco evoluiu.
Sabe-se que a educação é o reflexo da sociedade, porém, com a velocidade em que o mundo tem mudado, o atual formato não tem acompanhado tais atualizações. É possível observar movimentos educacionais que apontam para outros modelos, mas ainda há muito a ser considerado sobre os novos modelos.
No ano de 2024 haverá uma discussão do novo PNE, em que serão discutidas e direcionadas novas propostas e direcionamentos para os próximos dez anos. Diante do atual cenário é urgente que sejam discutidos o atual modelo de educação, a formação e a capacitação do docente dentro da sala de aula.
Texto escrito por Felipe Bonsanto
Formado em Administração de empresas, pós-graduação em marketing e apaixonado por Los Hermanos. É militante pelos direitos LGBTQIAP+, trabalha com educação há oito anos, atua como co-host no podcast O Historiante e é colunista do Zero Águia.
Revisão: Mateus Santana
Edição: Eliézer Fernandes
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